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O sistema pulsional e o teste de Szondi : modelos para quem ?

Nicolas Duruz

De preferência a uma exposição para pensar antes mais que uma temática da análise do destino, como o fizeram os colegas que me precederam, proponho-lhes hoje algumas meta-reflexões ou reflexões interrogativas sobre o desenvolvimento do movimento szondiano. De fato, terá você, talvez notado que o título da minha exposição traz um ponto interrogativo - o único aliás que figura entre os títulos das numerosas contribuições a este XVo. colóquio!

Quero pois, colocar oficialmente uma questão que preocupa, estou seguro disto, muitos dentre vocês e submeter-lhes alguns primeiros elementos da resposta. Minha pergunta é a seguinte: O que sepassa que o projeto de Leopold Szondi e o de Jadques Schotte que o estende - ambos reconhecidos por sua semelhança de projeto (Szondi não fala da Integração der Unbewssten e Schotte do sistema autológico das formas de doenças mentais?) - suscitaram tão poucos adeptos e penam para serem reconhecidos no pensamento psiquiátrico e psicologia contemporânea? Se se tomam os termos de Mélon, fora da sua exposição de dois dias atrás, porque a obra de Szondi permanece ela como uma "obra maldita" ?

Antes de responder a qui, gostaria de mencionar que os propósitos mantidos são de um szondiano da diáspora: vivendo afastado dos seus "correligionários", é ele, muitas vezes solicitado por diferentes correntes do pensamento, para as quais a etiqueta sazondiana é, antes, fonte de mofa.. Para lembrar, terminei meus estudos em Louvain, em 1972 e aí defendi uma tese em 1978 sobre o narcisismo em Freud e Szondi, mas jamais tive ocasião de trabalhar na Bélgica na, santa das santas, Escola de Louvain. A parte, uma permanência de dois anos nos USA, onde falar de Szondi levantava uma verdadeira aposta, estive ligado, no meu regresso dos USA, ao Centro de Estudos da Família, unido ao Departamento de Psiquiatria em Lausanne, e ao Instituto de Psicologia da Universidade desta mesma cidade. Para a causa szondiana, isto me pareceu representar de uma só vez, uma oportunidade e uma falta de sorte : a psiquiatria como a universidade são, de fato, duas instituições bem estabelecidas, que podem ser lugares de brilho e de difusão privilegiados, mas igualmente, laboratórios de racionalidade um pouco estreita.

Minha exposição procederá em dois tempos : colocarei a questão inicialmente do ponto de vista epistemológico e sócio-político, em seguida irei abordá-lo de um ponto de vista mais pragmático, interrogando os atores szondianos eles-próprios.

O contexto sócio-cultural.

Uma primeira dificuldade fundamental, que explica a pouca acolhida reservada ao pensamento e ao teste de Szondi na comunidade científica dos psicólogos e dos psiquiatras, reside, na minha opinião, no espírito da nosssa sociedade que valoriza cada vez menos os pensamentos os pensamentos de síntese integradora.

Efetivamente, uma das características da nossa sociedade, dita pós-moderna, é de não ser mais unificada pelo cimento das ideologias : a perda dos valores consensuais como a atomização da vida social encontram-se favorecidas pelo que Marcel Gauchet denomina o ideal do “individualismo democrático” que se nutre da soberania dos indivíduos. Realmente, para este autor, o ser-conjunto democrático repousa no conhecimento de que os sujeitos são soberanos e de que cada entidade individuante pode fazer valer seus direitos de ensar e de agir. Mas isto é o resultado de um longo processo sócio-histórico. Na origem , a sociedade situava seu princípio de ordem no exterior dela mesma, fundamentado na religião: os deuses, depois seus substitutos temporais como os imperadores e os reis, impunham sua soberaneidade. Progressivamente e a favor de um longo processo de secularização , esta alteridade absoluta tornou-se “imanentizada” para se encarnar no homem, particularmente nesta parte desconhecida dele próprio. Isto foi então o ponto de partida, já se sabe, do desenvolvimento da ciência, depois, das ciências, tanto este objeto desconhecido verificou-se mais e mais complexo e fonte de múltiplos saberes.

Quando se sonhou, por exemplo, na ascensão dos nacionalismos ( retomada de um movimento sócio-político endêmico, mas sempre mais dilacerante), na diversidade das configurações familiares, no entrelaçamento dos modelos e das práticas psicoterapêuticas, para não mencionar que estes três fenômenos que de muito perto se relacionam a nós, não se assiste a um dramático estouro dos pensamentos e das práticas sociais? Em tal contexto sócio-cultural, pressente-se um modelo ou uma prática que se querem totalizantes tornam-se dificilmente concebíveis.

Mas diante desta abertura do tecido social quais são as estratégias operantes para sobrevir a um sentimento mínimo de coesão? Podem elas fornecer-nos algumas idéias para o nosso próprio trabalho de pensamento? Sendo breve e sem muitas nuances, referenciarei três delas. Existe inicialmente a atitude pragmática que consiste em escolher na multiplicidade o que é mais vantajoso e que freqüentemente dá lugar ao ecletismo. Uma outra reação mais crítica consiste em considerar todas as produções humanas como “fictícias” , no sentido que lhe atribui o construcionismo social, ou seja, que cada construção de pensamento é uma ficção de que se vale outra. E’ a atitude do relativismo e do ceticismo viceral. Enfim, a última atitude é mais nostálgica da unidade perdida e poderia ser apresentada como um esforço de recuperação integradora. Pode tomar a forma, quer de sínteses precoces, espécie de colagem sincrética, tal como se pode observar, por exemplo, em certas formas do “retorno do religioso”, quer das soluções técno-científicas. A par da padronização e da unidimensionalidade que instauram no pensamento e na prática do homem, mas também graças às suas contribuições inegáveis que aproveitam, cada uma por sua vez, as tecnologias impõem-se doravante como fiadoras de uma aparência de unificação, operando como substituto ideológico na dissolução das crenças religiosas e morais.

Neste contexto sócio-político, tal como nós o evocamos brevemente aqui, e que favorece portanto, pouco a pouco, um discurso da totalidade, é possível pois, com razão, interrogar-se sobre a pertinência da oferta do pensamento de Szondi, e mais particularmente o de Jacques Schotte. Seu projeto de ântropo-psiquiatria, que busca ultrapassar a rapsódia das classes para aceder a um sistema autológico que repousa em categorias, é receptível ? Aspirando cada vez mais à unidade e menos ao esfacelamento, não valoriza a nossa sociedade essencialmente as sínteses de bricolagem ,oportunistas, ou avançadas e sedutoras tecnologias?

Que lugar ainda reserva nossa cultura àquele que quer utilizar seu tempo para compreender, àquele que deseja aprofundar construindo um sistema onde cada elemento é identificado na sua especificidade e em relação com os outros, àquele que assim recusa propor soluções inteiras e uniformizantes? Qual é o lugar de um szondiano na nossa cultura ?

Questões aos szondianos eles-mesmos.

Se não é preciso minimizar este pacote sócio-cultural que como matriz ou contexto torna possível certas produções e impede outras, seria entretanto errôneo negligenciar seus autores. Cada avanço histórico revela os homens tão bem como instituidores quanto como instituídos. Qual é pois a parte dos atores que trabalham na herança szondiana? Mais precisamente, qual é nossa responsabilidade a nós, presentes neste XVo. colóquio?

Primeiro sinal de sabedoria : renunciamos incriminar aqueles que nos cercam e que seriam responsáveis por suas atitudes, da pouca difusão do pensamento szondiano. Não é muito fácil encarar os antigos colegas que estivessem desembaraçados da etiqueta szondiana, os diretores de instituições que nos teriam descartado porque atingimos com pensamentos complexos e pouco admissíveis, até mesmo Szondi, a quem se lhe poderia reprovar, como gostam de fazer alguns, um certo dogmatismo?

Talvez. Mas não é esta uma boa maneira de nos desculpar?

Desejo questionar mesmo, alguns dos nossos comportamentos que tratam provavelmente como freios disto que para outros interessa em Szondi.

Sem dúvida, como para muitos dentre nós, tudo começou como uma faísca, uma espécie de “flash”. E isto não se comanda.Mas penso, todavia, que se podem criar condições, facilitando um reencontro com o pensamento de Szondi.

Gostaria pois de mostrar como em três pontos precisos, mais contribuimos para a morte que pela sobrevivência do movimento ‘schicksalsanalytique”. Examinarei sucessivamente três práticas que merecem ser questionadas : nossas publicações, nossa prática do teste e a constituição de um patrimônio szondiano. Estas são, sem dúvida, três práticas que, segundo suas modalidades, podem inserir-nos na comunidade científica ou ao contrário, afastar-nos dela.

O que escrevemos.

Os esforços da Escola de Louvain,à qual dou adesão ao essencial, consistem em operar um “retorno a Szondi” de maneira a desenvolver seu pensamento e a torná-lo mais pertinente para as ciências humanas clínicas. Mas é bem necessário reconhecer que seus principais escritos geralmente são de acesso muito difícil para o leitor médio : parecem-me muito sobrecarregados de problemas de ordem filosófica e epistemológica que, bem que indispensáveis para levar a termo a tarefa dada , ganhariam se fossem explicitdas apenas num segundo tempo. Por outras palavras, o quadro muito estrito de referência à metapsicologia freudiana, que garante rigor à exposição, pode indispor mais de um leitor. Enfim, corre o risco, muito rapidamente de sentir-se fraco ou em erro, se não adere aos enunciados fechados da demonstração. Estes artigos são muito pertinentes para nós, szondianos do serralho, mas me parecem insuficientemente adaptados aos leitores, quando se trata de iniciar progressivamente e não de aterrorizar com nossos discursos por vezes usando o jargão.

Algumas tentativas de sensibilização ou de vulgarização foram feitas por certas revistas francesas como Psiquiatria, Os Anais Médico-psicológicos ou A Informação Pisquiátrica( cf. o último número consagrado à antropopsiquiatria: Pensar a psiquiatria com Jacques Schotte ), mas não tiveram, na minha opinião, o descontado sucesso. Talvez tenham sido muito isoladas e não apresentam suficientemente os pontos do pensamento szondiano que pudessem ser postos em relação com outros modelos do pensamento ou práticas testológicas. E’verdade que a empresa é difícil, mas tenho por vezes a impressão de que maltratamos o leitor, içando-o de chofre ao nível de “questões aprofundadas”- uma apelação cara aos lovenienses, pois que remete aos ensinamentos do segundo ciclo, normalmente reservados a estudantes que já foram beneficiados por uma introdução em “candidatura”! Por outras expressões, mantemos, talvez por nosso inconsciente, um espírito de capela que nos desserve.

Ao final da minha exposição, farei algumas proposições concretas que deveriam permitir aos nossos escritos, chegar a um público suscetível de ser interessado pelo pensamento szondiano, mas que se trata de encontrá-lo a partir das suas próprias preocupações.

O que fazemos com o teste de Szondi.

O teste de Szondi constutui sem dúvida, a maior obra da herança szondiana, graças à qual é conhecido na comunidade científica. Mas, muitas vezes os praticantes de Szondi entregam ao assunto, desagradáveis observações, do gênero: “o que que é esta coisa?”, ou ainda: “ah sim! Aquele teste que por volta de 1950 se demonstrou que não tinha nenhum valor psicométrico”. Não se pode escapar dele por muito tempo, retorquindo unicamente que não é um teste como os outros, ou que sua originalidade provém do fato de que indispõe e provoca. Um certo número de questões entretanto, permanecem no plano que merecem resposta e respostas tão possíveis consensuais entre os szondianos.

De início, que lugar ocupa o teste no trabalho de pensamento e na prática de um szondiano: não é senão um pretexto ou representa um utensílio indispensável? Um feliz acidente na construção da teoria de Szondi, mas que se pode dispensar hoje? Noutros termos, após ter funcionado como um dispositivo construído num dado momento do processo de descoberta, pode ser agora abandonado como um andaime que preencheu sua função? Formulando ainda de outro modo: pode-se utilizar as16 posições pulsionais do sistema szondiano, com total independência do teste, como as categorias universais que permitem uma melhor descrição fenomenológica do homem em relação consigo mesmo, com o próximo e com o mundo? Ou então : é o teste dotado de um certo valor como verdade, até mesmo como prova, à medida em que é pensado como um dispositivo concreto, útil para tentar objetivar certos pontos do modelo szondiano? Disse-nos o Prof. Schotte na sua exposição: “A única legitimidade de uma teoria é sua fecundidade para fazer aparecer o que não se teria visto sem ela.” Isto é suficiente? Se é evidente que jamais há acesso direto ao empíreo e que sempre temos necessidade de uma “teoria” para abordá-lo, nada mais resta, senão que se pode buscar a verificação de que os enunciados “teóricos” têm valor prático, isto é, permitem encontrar uma parte da realidade e nela operar uma certa mudança.Isto retorna a indagar-se se os dados obtidos graças ao teste de Szondi, paralelamente a outras fontes de dados empíricos ( por exemplo, referência das libido-, opero- e morbotropismo ), poodem pôr em evidência a “ qualidade

estrutural do sistema pulsional szondiano”, para retomar ainda uma vez uma formulação de Schotte. Se se admite isto, então dois domínios importantes do questionamento devem ser investidos, dos quais fico surpreso de que nunca estejam na ordem do dia nos nossos congressos e tão pouco se façam objeto de pesquisa, se estes não acontecem pontualmente e sem continuidade. Inicialmente são estas todas as questões que se levantam a respeito da validade do teste. Um empreendimento certamente difícil onde se trata de recorrer a uma lógica da prova que respeita a especificidade do teste, definida pela finalidade que se lhe empresta e a maneira pela qual foi construído. Assim se deveria começar por precisar a originalidade do teste de Szondi e sua finalidade em relação a outros testes, tais como os questionários, os testes de aptidões e mesmo os testes projetivos. Se se toma Schotte e sua compreensão do teste como uma colocação em forma sistemática de uma patoanálise ( “não se escolhem as doenças, mas as possibilidades de existência, qualificáveis como doença, profissão etc” ), então o teste não permite verdadeiramente levantar diagnósticos psicopatológicos, não mais de nível semiológico, apenas de estrutura. No espírito de uma fenomenologia estrutural da existência, torna possível o esboço de retratos humanos sob a forma de diagnóstico pulsional, mais precisamente, a colocação em evidência dos modos de expressão privilegiados de um alguém que existe. Isto sem dúvida, merece explicação. E quanto ao funcionamento interno do teste, é a questão já levantada por Michel Legrand há 20 anos : como é possível isolar uma lógica das escolhas pulsionais de um indivíduo a partir das escolhas de simpatia e de antipatia que ele faz das diferentes fisionomias?

Outro domínio importante de questionamento relaciona-se à utilização do teste no encontro clínico : em que finalidade e como restituir a um paciente sua dinâmica pulsional a partir de dados testológicos ? Materializada nas escolhas de fotos e de fórmulas transformadas que têm alguma parte objetivada, como reinscrevê-la num trabalho de subjetividade e promovê-la ao nível de um diálogo clínico real? Quais são os diversos métodos possíveis, que favorecem a integração do testo num processo terapêutico ? Aqui, ainda uma vez, somos muito pouco falantes sobre este tema no quadro dos nossos colóquios.

O que constituimos como patrimônio szondiano.

Para o futuro szondiano e mesmo para um szondiano ativo, o que existe como dados oficiais a partir de onde se pode iniciar e trabalhar? Estou admirado de como estamos tão pouco organizados entre nós para constituir um “banco de dados” accessível a qualquer pessoa interessada ? Com certeza existe em Zurique e em Louvain um certo número de obras e de documentos, mas são arquivos dos quais se conhece tào mal a riqueza. Onde existe uma bibliografia crítica das publicações de Leopold Szondi, que mencione todas as traduções existentes até hoje? Relacionando as publicações sobre e em torno de Szondi ( obras, artigos de revistas, memórias de escola, policópias de cursos etc), não está em tempo de erigir-se uma lista exaustiva a respeito do assunto e de constituir-se o seu índex temático ? Enfim, seria das mais úteis providências, poder aceder, segundo condições a serem determinadas, a todos os protocolos do teste que foram feitos até hoje. Entre Zurique, Louvain, Liège, Japão, Portugal e alhures, evidentemente, milhares de protocolos esperam ser consultados e utilizados para fins de esquisa. Que formidável mina de riquezas representam estes protocolos e ainda mais se a cada um deles está associada uma ficha sócio-clínica do paciente. Sei que foram feitos certos esforços neste sentido, mas foram interrompidos muito rapidamente. Estas tarefas parecem-me como um mínimo indispensável a realizar, se se quiser ter um certo lugar e um reconhecimento no mundo científico. Por que se dispensa disto ? Na era do computador e da Internet – existe um site Szondi, mas ainda pouco sistematizado – a constituição de um patrimônio szondiano, seguramente é, entre as três “missões” mencionadas, a que é mais fácil de realizar-se.

Um cartão de visitas.

Antes de concluir, deixe-me fazer-lhes uma proposição concreta, mas que ainda pertence ao mundo do sonho! Falta-nos até hoje um documento, tipo pasta de trabalho, até um manifesto, que numa dezena de páginas claras e substanciais apresentasse de uma parte, o pensamento de Szondi e sua reinterpretação segundo Schotte, e de outra, as relações de tal pensamento com a psiquiatria e a psicologia contemporâneas. Quem sente coragem para a obra? Na redação deste “ cartão de visita”, um cuidado muito particular deveria pôr em evidência algumas problemáticas cruciais, fonte de doenças, hoje, para mais de um profissional da saúde, e para mostrar como o pensamento de Szondi pode provavelmente levantar certos impasses.

Penso muito particularmente em quatro problemáticas: 1) Trata-se de início da questão da co-morbidade em psiquiatria. Raros são os pacientes que apresentam um único distúrbio psíquico. Submetidos à lógica do DSM IV segundo a qual a validade científica de um diagnóstico repousa sobre o fato de que ele é reputado, remetido a uma entidade autônoma, assim se vão multiplicar ao infinito os diagnósticos, sem considerar as afinidades evidentes em certos distúrbios? O sistema szondiano traz uma luz muito interessante, parece-me, para pensar a questão da co-morbidez: deve esta ser restituída pela relação com os núcleos patoanalíticos constitutivos da existência humana, a partir dos quais, graças a uma fina análise fenomenológica as variações múltiplas podem ser organicamente hierarquizadas e religadas entre elas. 2) As relações da biologia, por mais desejáveis que sejam, inquietam, todavia, mais de um psicopatologista : o que restará de “psi” diante das descobertas da biogenética e das neurociências ? Ainda aqui, parece-me, a ântropo-psiquiatria pode mais facilmente recolocar estas descobertas no seu projeto. De fato, concebendo-se no quadro de uma biologia geral ( seguramente bem entendida como ciência do ser vivente, e não como ciência psico-química ) , ele se dá por tarefa, estudar as formas de vida e de morte tais como se manifestam especificamente no vivente humano ( as enfermidades “idiopáticas” próprias do homem em contraste com suas enfermidades “simpáticas” que dividem em união com outros viventes. Deste ponto de vista, a posição fundamentalmente transetiológica da antropopsiquiatria está confirmada, e as disposições “biológicas”das novas descobertas encontram-se transmitidas numa ciência do vivente. 3) Os cuidados prodigalizados às pessoas perturbadas psiquicamente tornam-se cada vez mais tecnicizados. Diagnóstico formalizado ou computadorizado, utilização exagerada dos psicotrópicos, pequisa de uma eficácia imediata centrada no sintoma, tudo concorre a uma certa “desumanização” dos cuidados. O recurso às noções de destino e de escolha, centrais para um szondiano, deveria ajudar a pensar melhor o processo em si de enfermidade e de cura e assim a distanciar-se de uma prática psiquiátrica e psicológica essencialmente “veterinária”, segundo a expressão de Schotte! 4) Enfim, a última relação possível: concernente à impotência do clínico. Quem nunca encontrou pacientes cuja evolução parecia sem saída? “Casos” difíceis, impossíveis, digam-se crônicos, ou em vias de se tornarem assim. Uma investigação clínica pode muitas vezes ser renovada graças a um diagnóstico pulsional, que o teste de Szondi apurará. Um olhar mais dinâmico é assim dirigido à pessoa; e sua fontes patoanalíticas específicas podem ser mobilizadas. Todos este pontos merecem evidentemente desenvolvimento, afim de que as melhores formulações possam ser encontradas, que sejam compreensíveis e pertinentes para o não szondiano; mas que se advinhe já a sua virtude desoxidante e regenerante.

Em conclusão

Não podemos refugiar-nos numa posição perseguidora contra nós, vivendo como os “malditos” que se quer excluir da comunidade científica. Nem muito menos nos satisfazer com uma posição de auto-suficiência, tratando como imbecis os que pensam diferentemente de nós; tem isto a única vantagem de distrair-nos do nosso isolamento. Certamente, estas posições são um pouco inevitáveis e em parte justificadas, pois testemunham o fato de que nós nos consideramos depositários de um bem que é muito precioso e genial para, sem mais, deixá-lo, degradar-se. Mas elas devem ser temperadas por posições de mediação, consistindo num trabalho de objetivação do pensamento szondiano. A favor das nossas publicações, das nossas pesquisas sobre o teste e a constituição de um patrimônio, poderemos assim nos explicar diante da comunidade científica, enriquecê-la e enriquecer-nos por nossa vez. Aí, depende da transmissão da herança szondiana, para o bem dos outros e a sobrevivência também, da causa szondiana. Sabe-se muito bem que a transmissão de um saber representa um problema incontornável para qualquer instituição que queira evoluir e não desaparecer.

Nesta exposição, submeti-lhes algumas reflexões que se querem, uma contribuição modesta à história do movimento da análise do destino.

Possam elas auxiliar-nos a vencer a crise em que nós nos encontramos atualmente!

Tradução de Maria Lucia De Carvalho Accacio.

c 1996-2000 Leo Berlips, JP Berlips & Jens Berlips, Slavick Shibayev